Estamos, na liturgia de hoje, diante de uma crítica à religião falseada pela ausência de ética verdadeira, o culto fantasiado em ritos que não expressam a experiência de Deus e Sua soberana vontade. Somente a vivência da Aliança garante unir comportamento e culto, vida e religião, moral e mística. Esta fidelidade à Aliança é a pregação profética dirigida aos sacerdotes e a crítica de Jesus aos escribas e fariseus.
Jesus denuncia a hipocrisia dos que se consideram mestres em Israel porque, conhecendo a crítica dos profetas, apresentam-se como justos – isto é, observantes, unindo a vida ao culto – mas, na realidade, atraem com sua observância a atenção dos homens para si mesmos e não para Deus, ao buscarem a admiração e o reconhecimento como pessoas dignas de honra.
A hipocrisia, portanto, diz respeito – ainda que de forma sutil – também à incoerência entre religião e ética, expressando a não autenticidade do culto ou de vida, quando há observância.
Jesus se mostrou intransigente contra a hipocrisia farisaica até porque atinge a fé na Sua pessoa e no Seu ministério. Só foi intolerante, em relação aos pecadores, contra os escribas e fariseus. Para convocá-los e denunciar-lhes a dureza de coração, afirma que os publicanos e as prostitutas os precediam no Reino de Deus (Mt 21,31). Em contrapartida, a hostilidade deles confirma que a hipocrisia é o pior obstáculo a impedir o caminho salvífico proposto por Jesus.
Jesus – que é a Luz – se torna, paradoxalmente, a cegueira do fariseu ao desvendar-lhe a hipocrisia. Podemos, portanto, afirmar que se trata de um visar os próprios interesses e a não os de Deus, ainda que aparentemente afirmando-os. Esta hipocrisia impossibilitou, espantosamente, que homens religiosos e de estrita observância reconhecessem o Messias por eles esperado, e favoreceu que impedissem à muitos de reconhecê-lo.
Por ser o ideal cristão muito elevado, a nossa justiça deve exceder a dos escribas e dos fariseus e temos de ser perfeitos como o Pai celeste é perfeito. Os fiéis a Cristo – independentemente da busca sincera ou não de coerência – podem ser vistos ou podem se ver como hipócritas, isto é, merecedores da repreensão de Jesus: “fazei e observai tudo quanto vos disserem. Mas não imiteis as suas ações, pois dizem e não fazem”.
Entretanto, há que se distinguir: uma coisa é não buscar a coerência de vida entre o que se crê e o que se celebra, fantasiando a religião, ritualizando os sacramentos, esvaziando a fé de seus compromissos. Outra coisa é admitir a condição do homem fraco, falível e pecador que, mesmo buscando avidamente a coerência, descobre-se sempre em defasagem entre a mensagem e suas exigências e, por isso, vive a fé com humildade, em estado permanente de conversão e de busca constante do verdadeiro rosto de Deus.
Padre Bantu Mendonça