SEJAM MUITO BEM VINDOS E BEM VINDAS!

O QUE DEVERIA PEDIR MAIS?

Cronin, famoso escritor, narra em um de seus livros o diálogo entre um médico, recém-chegado àquele lugar, e uma enfermeira que trabalhava duramente a serviço do povo, no mesmo Distrito, havia muitos anos. A mulher tinha mais de cinqüenta anos. Não era bonita, mas, diz o médico, o seu sorriso era aberto e sincero. Nos casos mais difíceis, a sua presença dava segurança ao doutor, até então, com pouca experiência. Por longos vinte anos, a enfermeira havia sido a única pessoa a cuidar da saúde daquele povo. Todo dia, de bicicleta, ela dava uma volta de quase vinte quilômetros para conferir a saúde das pessoas. Sem contar as noites, quando era chamada com urgência. Ela estava sempre pronta a atender. Tinha uma palavra de conforto para todos. Nunca estava cansada demais para não responder aos chamados, ou destratar os doentes. Aquela senhora era amada e respeitada por todos. Apesar do seu incansável trabalho, o médico sabia que o salário dela era muito baixo. Assim, uma noite, após estafante jornada de trabalho, o doutor perguntou à senhora: - Por que não pede um salário melhor?

  • Tenho o que preciso para viver – respondeu a mulher.
  • Não, não – continuou o doutor – a senhora deveria ganhar mais. Deus sabe se a senhora merece ou não ganhar muito mais do que recebe!

Após um momento de silêncio, a mulher voltou a falar: - Doutor, se Deus sabe o que eu mereço, o que deveria pedir mais? Para mim, somente isto é o que vale!

A conversa terminou ali. O médico concluiu que a enfermeira tinha uma vida bem mais cheia de sentido do que a dele, sempre preocupado com salário e a carreira. Aquela humilde e pobre enfermeira era mais rica de amor e de humanidade do que ele. Ela enxergava mais longe. Sentiu um pouco de vergonha.

A página do evangelho deste domingo nos apresenta duas irmãs: Marta e Maria. Uma superatarefada nos afazeres domésticos, e a outra aparentemente parada e comodamente sentada aos pés de Jesus, escutando as suas palavras. Como sempre, podemos ler e entender de maneiras diferentes a atitude das duas mulheres, discuti-las e contrapor uma à outra. De fato, Jesus chama a atenção de Marta, ocupada em “muitas coisas” para a busca da “única coisa necessária”. “Coisa” que, parece, Maria tinha escolhido e que não lhe seria tirada.

A nossa atenção, portanto, deve estar concentrada no entender e no guardar a “única coisa necessária”. O que será mesmo esta “coisa”? Segundo o evangelho, a resposta é fácil: acolher a palavra de Jesus que, no final, corresponde a acolher o próprio Jesus, sempre a nos falar e a se propor para nós como caminho, verdade e vida.

Dito isso, devemos concluir ser esse o jeito para encontrar a única coisa necessária na vida, ficar sentados aos pés de Jesus ouvindo as suas palavras? Também não. Jesus aponta esta “coisa”, mas nos deixa livres para escolher a maneira de vivê-la. O verdadeiro conflito ou contraposição, não está em ficar sentados, ou andando por aí, e sim na diversidade de escolhas e na única coisa necessária. A busca mais difícil da nossa vida não é simplesmente escolher um trabalho ou uma condição social, mas encontrar algo que possa unificar tudo o que fazemos; algo que dê sentido à nossa vida, independente do lugar onde estamos, da tarefa que executamos, ou se estamos ocupados na oração e na escuta da palavra de Deus. A única razão pela qual optamos fazer umas coisas e não outras.

O que devemos encontrar é o rumo da nossa existência. Uma resposta satisfatória não restrita a uma ou outra atividade, mas capaz de preencher o nosso coração. Isso corresponde a dizer que nenhuma profissão ou missão, em si mesma, esgota o sentido da vida, sempre pode ser uma tarefa a cumprir, talvez com capricho e dedicação, com competência e generosidade. Mas não basta. A paz do coração se alcança por outro caminho, que vai além das circunstâncias, do sucesso ou da posição social alcançada. Todo o nosso agir deve ter um sentido mais profundo, uma resposta mais livre a um chamado bem maior, feito a todos, grandes e pequenos, famosos e desconhecidos, muito além do que ganhamos ou alcançamos materialmente e, se formos honestos, nunca nos satisfaz plenamente. Deve ser algo que vá além das honrarias humanas, dos salários astronômicos ou, também, da exclusão ou do desprezo, quando nos parece ter fracassado na vida.

Precisamos nos sentar mais aos pés de Jesus para escutar e entender a proposta dele. Ainda encontramos tempo para isso? Está em jogo o reconhecimento do único e unificador sentido da nossa vida. Algo que aumento de salário nenhum compense. Algo como a alegria de servir aos doentes da pobre enfermeira do romance de Cronin e que a fazia feliz.

Dom Pedro José Conti

TEMPO É DINHEIRO?

Você já ouviu ou talvez já usou esta expressão, que pode ser interpretada como valor do precioso tempo que temos, como também no sentido de não perder tempo em acumular riquezas, na pretensão de garantir o futuro. Estamos numa grande encruzilhada, onde as coisas parecem ser o que de mais importante possuímos e com elas a preocupação em acumular sempre mais. Como seria bom se fosse possível parar o tempo! Esse é o grande desejo do ativismo desenfreado, desumano e estressante do homem moderno.

A ação, o agito é a marca número um de quem tem o tempo como dinheiro. Tão pobre porque só tem dinheiro. A outra opção nesta dupla via da vida é a capacidade de contemplar. Mesmo mergulhado nos afazeres do ativismo de cada dia, ainda saber ouvir, aquietar o coração, buscar o silêncio do quarto ou do templo para orar, para respirar com plenos pulmões a verdadeira vida.

Esse dilema moderno já foi vivido por duas mulheres no tempo de Jesus. Foi lá em Betânia, na Palestina, em casa de Marta e Maria, que o dilema da ação e da contemplação, da ação e da oração se encontraram, revelando duas dimensões essenciais da vida humana.

Diante da justa preocupação com visita tão nobre em casa, Marta, mulher dedicada, serviçal, preocupada em oferecer o melhor para o Mestre que naquele dia escolheu a sua casa, corre e se agita com os afazeres, perde a paciência e reclama: “Senhor, não te importa que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela me venha ajudar!” (Lc 10,40). Expressão típica do ativista, daquele ou daquela que não sabe ver outra coisa a não ser o serviço, por mais importante que seja.

Ao lado, se vê Maria sentada aos pés do Mestre, ouvindo. Atitude típica de quem sabe parar, silenciar a mente e o coração para carregar as baterias a fim de não faltar energia para uma atividade fecunda e gratificante. Essa energia não se encontra em lugar nenhum a não ser na constante união com o Criador na oração. Saber orar é estender a mão a Deus e amar, é abrir os braços solidários a todas as pessoas.

Jesus responde à agitada mulher dona da casa: “Marta, Marta você se preocupa com muita coisa; uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que nunca lhe será tirada” (Lc 10,41). Marta, agitada com as coisas, parecia ver Maria perder tempo. Para o ativismo dos dias atuais não é diferente. Não se tem tempo para estender as mãos a Deus, não se tem tempo para amar, para estender os braços às pessoas que conosco fazem o mesmo caminho.

Embriagados pela ideologia do capital, muitos se esquecem que “uma só coisa é necessária e essa não será tirada”. O nosso caixão não tem gavetas, na casa do Pai só há lugar para quem sabe orar e amar. São João Maria Vianey dizia: “Essa é a mais bela profissão do homem: rezar e amar”. Como seriam diferentes as relações nas famílias, nas empresas, nos hospitais, nos consultórios médicos, nas escolas, nas universidades, nas Igrejas, na convivência diária, se as pessoas soubessem o valor da oração e da contemplação.

O sentido profundo dos nossos afazeres, trabalhos e luta pelo pão de cada dia, que não pode ser menosprezado, está no equilíbrio entre a agitação e a constante união com Deus. Esse é o tempo que vale a eternidade!

Dom Anuar Battisti

PUBLICAÇÕES